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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Desporto, bem-estar e política.

Ao se aproximar a Olimpíada de Beijing, a questão do desporto ganha espaço midiático extremamente notável. A questão dos esportes, especialmente os de alto rendimento, provoca uma paixão incrível nas pessoas, um frenesi de delírio nas arquibancadas. Neste sentido, a imprensa divulga (nestes momentos) esportes menos populares, não de massa, como o futebol, e se conhecem também estruturas de treinamento, no Brasil, na Rússia, na China, nos EUA ou em Cuba.
A teóloga alemã Dorothee Sölle ao ser questionada sobre o como explicaria a felicidade a um menino, esta diz, “não explicaria, daria uma bola para que jogasse”. Isto já é suficiente para entender o bem-estar proporcionado pelas práticas esportivas. Os gregos, na Antiguidade projetavam a questão dos Jogos Olímpicos como homenagens a Zeus, e neste período a cada 4 anos no mês de julho cessavam as guerras entre as cidades-Estado. Havia a lógica da cultuação através do desporto; corporeidade é uma questão muito estudada na Educação Física, esta questão de sermos “uno”, corpo e espírito.
Mas onde entra a questão da política em desporto? Os romanos usavam muito da preparação física no Exército, como estratégia para o domínio. Talvez a lógica atual de disputa esteja imbuída deste princípio. Muito embora a projeção de Barão de Coubertin, ao reeditar os Jogos Olímpicos, no século XIX, tivesse o princípio da integração, o que se observa (afora o fair play) é a lógica do desporto enquanto manifestação de poder e lucro.
Galeano (2002, p. 168) assim se refere “a FIFA, que tem trono em Zurique, o Comitê Olímpico Internacional, que reina em Lausanne e a empresa ISL Marketing[1], manejam os campeonatos mundiais de futebol e as olimpíadas” O autor chama a atenção para as sedes de estas empresas serem exclusivamente a Suíça, bem como a ânsia por lucros ser idêntica em ambas. Segundo Galeano (Idem, p.170) ao se referir sobre patrocinadores e sua escolha, esta não recai necessariamente sobre os produtos mais sadios “[..] é preciso escolher quem paga mais. [...] A Coca-Cola, nutritivo elixir que não pode faltar no corpo de nenhum atleta, encabeça sempre a lista. Suas virtudes milionárias a deixam fora de qualquer discussão”.
Não há também como esquecer da lavagem de dinheiro, da corrupção, das máfias que cada vez mais interferem nos esportes de alto rendimento. É clássica já a investigação da empresa russo-iraniana MSI, e todos os problemas relacionados ao Corinthians em 2005, quando este foi campeão brasileiro. Como também é clássica a questão da manipulação de resultados que envolvem jogadores, árbitros e dirigentes ao lucrativo mercado das apostas, sejam na Itália, no Brasil, ou qualquer lugar.
E o que dizer então da Copa do Mundo de 78, comprada pela ditadura militar argentina, como estratégia de “anestesiar mentes” e se esquecer das torturas, dos desaparecimentos de opositores ao regime[2]? Ou o afastamento do treinador da seleção brasileira de 1970, João Saldanha, por este ser comunista e criticar a ditadura militar? Poderíamos ainda citar a intervenção de Mussolini na escalação da seleção italiana em 1934 e 1938, e ainda toda cooptação e brutalidade dirigida pelo fascismo[3]?
Outra questão a ser destacada é o do fascínio do dinheiro, ganho por “heróis” nacionais, como Ronaldo, Ronaldinho ou Kaká. Constrói-se a mentalidade de que para ser bem-sucedido, a garotada da periferia necessariamente precisa jogar futebol, e se esquece de dizer que uma minoria de atletas ganha salários astronômicos e uma outra maioria absoluta (mais de 90 %) ganham o insuficiente para viver ou simplesmente atuam de maneira amadora e com altos sacrifícios financeiros. É desigual a distribuição de recursos, dos clubes europeus (Inglaterra, Itália e Alemanha principalmente) para clubes brasileiros ou argentinos; são desiguais os investimentos na 1ª Divisão para outras divisões do Campeonato Brasileiro; é desigual o investimento em futebol em São Paulo na comparação com estados do Norte ou Nordeste. Sem contar que é preciso desmistificar a questão dos ídolos; são pessoas. Neste sentido também, a lógica financeira transforma atletas em mercenários que não respeitam nem mesmo seu país. Exemplo disto foi o caso dos brasileiros que jogam a NBA, Nenê, Anderson Varejão e Leandrinho, que desfalcaram a seleção de basquete para continuar atuando em seus clubes nos EUA. Neste sentido, foi um estadunidense, jogador de basquete da mesma NBA, Anthony Carmello, quem criticou estes, ao dizer que nunca deixaria de representar seu país.
A lógica meramente da disputa não transforma o esporte numa ferramenta de auxílio à educação, e nem torna possível à inclusão pelo esporte. É claro que algumas coisas positivas ocorrem, resta ver todos os investimentos de programas como o Segundo Tempo, ou as categorias de base dos clubes, que motivam e agregam crianças para a vida, mas é necessário se rever algumas destas prática, em nível mundial. Não queremos aqui desmerecer a lógica da disputa, pois quem disputa quer vencer, e todos torcem por seu clube ou país. Porém, é necessário que se pense sobre estas questões e se combata os mercenários do desporto. Isto se vê também nos Jogos Abertos de Santa Catarina. Determinado esporte que possui escolinha com vários atletas recebe uma estrutura pequena, enquanto às vezes se contrata uma delegação inteira de outra localidade apenas para ganhar medalha em determinado esporte. Ou ainda, pensando naquela gurizada que saltou a entrada do Colégio Pedro Maciel, nos dias de nosso curso (e que atrapalharam nosso curso, diga-se de passagem) o que é estratégico e fundamental para o lazer e o desporto em uma cidade? Gastar 17 milhões no Centro Eventos? Quantos ginásios poderiam ser construídos? Quantos professores de dança, de educação física, de iniciação ao teatro poderiam ser contratados para atuar nos bairros? O que é fundamental? Quantas estruturas escolares poderiam ser remodeladas? Mas o que dá mídia? O que é a inclusão pelo esporte, pela arte e pela educação?
Cesar Capitanio, setembro de 2006
OBS. O curso citado foi de formação de professores no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) de Chapecó-SC.

REFERÊNCIA

GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Tradução de Eric Nepomuceno e Maria do Carmo Brito. Porto Alegre: LP&M, 2002.

[1] A mesma que fez parcerias com Grêmio e Flamengo, e que vem sendo investigada por corrupção.
[2] No livro El hijo del Ajedrecista , Fernando Rodriguéz Mondragón descreve como o Cartel de Cali intermediou o pagamento de milhões pela ditadura argentina para a seleção peruana entregar o jogo, que terminou seis a zero para a Argentina e eliminou o Brasil.
[3] A imprensa oficial italiana chegou ao cúmulo de publicar, após vitória da seleção italiana sobre a brasileira: “Saudamos o triunfo da inteligência itálica contra a força bruta dos negros”.

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