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quinta-feira, 23 de julho de 2009

A CRISE INTERNACIONAL DOS COMBUSTÍVEIS E O AUMENTO NO PREÇO DOS ALIMENTOS

CESAR CAPITANIO - Professor de Geografia e História
MARINEIVA MACALI - Acadêmica de Processos Gerenciais pela UNIASSELVI

1 A CRISE ENERGÉTICA GLOBAL

O combustível fóssil mais usado no mundo, desde o início do século XX, com a ascensão do automóvel, é o petróleo. Enquanto recurso mineral, as reservas de petróleo despertam a cobiça das gigantescas multinacionais (como a Exxon, a Texaco e a Royal Dutch/Shell), bem como de nações capitalistas centrais, especialmente os EUA, definidos pelo seu próprio presidente, George W. Bush como “viciados em petróleo”.

A prospecção de petróleo ocorre em várias partes do mundo, mas o consumo é diferente de país para país. Por exemplo, os EUA são um dos maiores produtores mundiais de petróleo, mas precisa importar contingentes imensos de petróleo. Por outro lado, os membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) são grandes produtores de petróleo, mas baixos consumidores, o que os leva a terem reservas do mineral destinadas para exportação. São exemplos de países que estão no rol de grandes exportadores de petróleo, a Arábia Saudita, o Iraque, o Kuwait, os Emirados Árabes, a Venezuela e a Nigéria. Sendo assim, estas nações têm em seus territórios a possibilidade de regular a oferta mundial de petróleo e seguidamente ocorrem aumentos no preço do barril. E seus territórios adquirem importância geopolítica impressionante.

Acontece que a previsão de esgotamento deste recurso mineral, somado a ganância dos “sheiks” e das multinacionais petrolíferas, elevou o preço do barril a níveis estratosféricos. Se na década de 70 houve crise, o que dizer do preço do barril hoje ter passado e bem a cifra de U$ 100,00? Neste sentido e segundo Rizzo & Pires (2005, p.95):

O debate acerca da sustentabilidade despertou entre os países produtores de petróleo a consciência sobre o caráter não-renovável de sua riqueza. Por conta disso a Opep, no início dos anos 70, começou a endurecer o jogo com os países importadores. Diversas variáveis tiveram importância na crise energética dos anos 70. O aumento contínuo do consumo de petróleo fez com que pela primeira vez a demanda estivesse pari passu com a oferta. Os Estados Unidos já haviam chegado à sua capacidade máxima de extração e não poderiam reagir a uma contração na oferta mundial de petróleo sem perdas significativas em termos de crescimento econômico.


Como alternativa, em um primeiro momento as nações capitalistas centrais resolveram entrar em choque com parte destes produtores de petróleo. Os EUA resolveram primeiro combater o Irã, depois o Iraque, formou alianças com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, e já no século XXI participaram ativamente da tentativa de golpe de Estado na Venezuela[1]. Sempre houve nestes confrontos o interesse em possuir nestes países governos aliados ou mesmo “capachos”, para uma garantia de importação de petróleo, de preferência em um preço baixo. Neste sentido, Aiatolá Khomeini, Saddam Hussein e Hugo Chávez foram sendo tratados como parte do “Eixo do Mal”.

O Brasil iniciou ainda na década de 70 a sua guinada para os biocombustíveis. Isto se processou no governo militar, com a criação do Pró-álcool, lei de incentivo ao plantio de cana-de-açúcar com vistas à fabricação de álcool. Sobre a comodity do álcool no Brasil, Oliveira (2007, p.3) afirma:
O álcool combustível brasileiro, derivado da cana-de-açúcar, com custo médio de US$ 22/barril, é competitivo com a gasolina derivada do petróleo, existindo possibilidades favoráveis do aumento desta competitividade nos próximos anos, quando o preço do combustível fóssil já supera US$ 60/barril e tende a crescer ainda mais, visto sua escassez aumentar a cada período.

Como se vê, houve uma explosão muito grande em pouco tempo no preço do barril do petróleo, visto este artigo ser bastante recente. Isto se acentuou após 30 anos do programa de álcool do Brasil, e várias nações do mundo passaram a repensar sua matriz energética. É isto que veremos a seguir.


2 BIOCOMBUSTÍVEIS E INFLAÇÃO DOS ALIMENTOS

Ao que consta Rudolph Diesel, ao desenvolver o motor estacionário, teve como uma primeira experiência o uso de óleo de amendoim, para só após utilizar o óleo de origem mineral que levou inclusive seu nome (óleo diesel). Portanto, por mais que esta discussão pareça extremamente nova e muitos experimentos vem sendo desenvolvidos, já é de longa data se saber que não só a queima de combustíveis fósseis move os motores, e aí já estamos excetuando o carvão mineral ou vegetal.

Mas, foi apenas no século XXI que os biocombustíveis ganharam notoriedade global. Desde então, o Brasil além de dar uma reoxigenada na cadeia produtiva da cana, passou a incentivar o plantio e a pesquisa para biomassa na canola, no girassol, na soja, no babaçu, no dendê, no pinhão manso, dentre outros. Os EUA passaram a destinar sua produção de milho com vistas à produção de etanol, bem como importar toneladas deste cereal; a Europa passou a incentivar o plantio de enormes áreas de canola e colza.

E quem foi acusado de causar a inflação e a diminuição dos estoques de alimentos no mundo? Pois bem, o Brasil. Mas como se vê uma gama imensa de países do mundo produz biocombustíveis, e a produção brasileira de cana ocorre desde os anos 80. Sem contar que a área demandada para a produção de cana ocupa uma faixa bastante pequena do universo de terras agricultáveis brasileiras. E a um outro detalhe: o primeiro produto incentivado pelo governo Lula a partir de 2003 foi à mamona, especialmente para o semi-árido nordestino, onde a questão climática não torna aquelas terras propriamente voltadas para a agricultura de alimentos. Aliás, a alternativa da mamona foi exatamente de uma planta que resista a situações climáticas adversas. Mas então o que causou a crise mundial dos alimentos?

Há que se considerar diversas razões. Uma delas diz respeito ao crescimento econômico vigoroso de boa parte dos países emergentes. Isto provocou um aumento acentuado do consumo nestes países, como no caso da China, da Índia e inclusive no próprio Brasil. De acordo com Suzuki Junior (2008, p.5):

...em termos per capita, as economias em desenvolvimento registraram avanço da ordem de 83,5%, com a renda por habitante saltando de US$ 2,8 mil, em 1998, para US$ 5,2 mil em 2007 [..] o que estabeleceu condições propícias para o aumento da demanda de inúmeros bens. Portanto, não é por acaso que o consumo per capita de carne bovina na China, embora em patamares ainda baixos, passou de 3,8 quilos no exercício de 1998 para 5,6 quilos no ano de 2007, ampliando a demanda por ração animal e, conseqüentemente, por alguns produtos agrícolas.

Mas, obviamente não se pode negar que o uso intenso de propriedades rurais com vistas à produção de oleaginosas que serão matéria-prima para biocombustíveis também ajudou a reduzir os estoques reguladores de alimentos no mundo todo. Associado a isto, o fenômeno aquecimento global, que causa desequilíbrios climáticos em várias partes do globo (enchentes, estiagens prolongadas) também contribuiu para a situação de risco.

Analisando pela questão climática e as toneladas de dióxido de carbono que vão para a atmosfera, além da possibilidade de esgotamento, o petróleo está com os dias contados. É necessário se repensar esta matriz energética, que não passa apenas por mudar a questão dos combustíveis, mas também a eletricidade (sua geração). As termelétricas, muito embora não muito utilizadas no Brasil, são movidas a petróleo, e em alguns países são a principal fonte de energia. Então, os biocombustíveis são uma alternativa ecologicamente mais correta, em partes. Digo em partes, pois se analisarmos apenas a questão da emissão de gases, poderíamos dizer que os biocombustíveis são ambientalmente melhores. Mas se analisarmos que a ampliação da fronteira agrícola brasileira, por exemplo, pode devastar áreas imensas de Floresta Amazônica (e por tabela, depósitos de carbono) aí este argumento se desfaz.

Mas há outras alternativas para a matriz energética como um todo. Senão vejamos: energia eólica e solar, biodigestores, energia das marés, usinas termonucleares[2].

Mas e a questão da inflação dos alimentos? Pois bem, uma possibilidade de solução plausível seria a retirada de subsídios agrícolas na Europa, nos EUA e no Canadá. Assim, nações subdesenvolvidas com base em economia primária poderiam potencializar a produção de alimentos, inclusive com vistas ao mercado externo, reduzindo o déficit do estoque de alimentos. Outra questão seria a possibilidade de que os países pudessem intervir mais no mercado, reduzindo o impacto causado pela especulação e pelos atravessadores, que aproveitam a crise para ganhar muito dinheiro. Também seria importante que o petróleo baixasse o preço. Mas o que vemos ainda não é esta solução.

Cunha (2008, texto eletrônico) assim refere:

Como a China ainda não dá sinais de redução significativa em seu crescimento econômico, o barril de petróleo só recua a sua cotação quando o dólar (já bastante desvalorizado) sobe um pouco, e os biocombustíveis estão apenas começando a conquistar seu mercado, os governos de cada país tentam tomar suas iniciativas para se precaver. A Argentina, para frear a inflação que atingiu 9,1% em 2007, tentou garantir o abastecimento do mercado interno tributando as exportações. O tiro saiu pela culatra e os agricultores fizeram greve até a suspensão da medida. Já o Brasil segurou a exportação apenas dos estoques de arroz que pertencem ao governo. Enquanto o Banco Mundial projeta uma alta de 52,3% para o arroz em todo o mundo em 2008, por aqui o acumulado de 12 meses está em 9,27%.

Como se vê, a cadeia agrícola dos biocombustíveis está apenas engatinhando. Então, é provável que haja choque por áreas agrícolas, entre os defensores dos biocombustíveis, e os defensores da produção agrícola com vistas à alimentação. Sendo assim, parece provável que a crise alimentícia tende a piorar. Mas não se pode esquecer que somos 6,5 bilhões de pessoas no globo, e que a tecnologia atual da agricultura pode produzir alimentos para mais de 10 bilhões de pessoas. Há ainda a possibilidade de obtenção de biomassa a partir de elementos descartados, que causavam poluição, como é o caso do óleo de cozinha, do lixo orgânico doméstico, do vinhoto nas usinas de cana-de-açúcar, da serragem das madeireiras, do dejeto suíno, enfim, biomassa que ajuda a diminuir os impactos ambientais provocados pelo ser humano. Parece-me que biocombustíveis e alimentos podem ambos ser alternativas para a agricultura brasileira, e que a crise dos alimentos tem aspectos mais políticos, e com conotação macroeconômica do sistema capitalista, do que uma afirmativa simplista de que os biocombustíveis fizeram aumentar os preços dos alimentos.

E quem sofre mais é o consumidor mais pobre, vítima da especulação e de um sistema que privilegia a busca de alternativas em combustíveis, porém não consegue eliminar a mazela mais cruel, que é a fome de milhões de seres humanos, não pela ausência de comida, mais sim pela ânsia do lucro.




REFERÊNCIAS

CUNHA, Rodrigo. O intrincado quebra-cabeças da crise dos alimentos. Disponível em <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=36&id=431>. Acesso em 05/07/08.

RIZZO, Luis Gustavo P. & PIRES, Marcos Cordeiro. A questão energética: da exaustão do modelo fóssil ao desafio da sustentabilidade. In: Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado, jan. 2005, vol. 3, no 6.

SUZUKI JR, Júlio T. A. A elevação do preço dos alimentos e o crescimento dos emergentes (p. 4-5). In: Revista Análise Conjuntural. Curitiba: IPARDES, mar./abr. 2008, v. 30.

OLVEIRA, Luiz César. Uma “dose” de álcool na macroeconomia brasileira (p 1-22)2007. Disponível em: 20de%20%E1lcool%20na%20Macroeconomia%20brasileira.pdf>.Acesso em 05/07/08.


[1] Quando houve a tentativa de deposição do presidente Hugo Chavez, em 2001.
[2] Com a diminuição dos riscos de acidentes neste tipo de usina, elas passam a ser uma alternativa.

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